Não preciso descrever e pontuar todas as veias abertas e situações horrendas e desastrosas, que não apenas golpeiam a humanidade, mas a natureza, que ocorrem nos tempos atuais. Queimadas, destruição em massa, uma pandemia, genocídios e tantos mais casos de racismo, machismo, LGBTQIAP+fobia, gordofobia, entre outros, são recorrentes e extremamente atuais. Entretanto, ignorados.
Para não soar negativa, reforço que existem pessoas que buscam, sim, combater as desigualdades e tristezas que se desenrolam cada vez mais com o passar do tempo. Mas, tolo é aquele que pensa ser suficiente e, mais ainda, aquele que pensa serem muitos os que realmente fazem. A maioria faz o mínimo, jurando estar no topo do militância.
Porém, este é o momento em que me encontro em contradição: qual é mínimo? Vivemos em um mundo em que nem o básico e trivial é feito, e quando realizado, é visto com orgulho. Deveriamos normalizar o fato de que a humanidade não se importa e que os poucos que fazem devem ser enaltecidos, mesmo pelas atitudes corriqueiras? Precisaria eu, então, parabenizar as pessoas pelo mínimo? Não sei.
Mas, existe alguém que eu não desejo parabenizar: Noel Gallagher, compositor da música “Don’t Look Back in Anger”, do Oasis. Os trechos “Vou começar uma revolução a partir da minha cama/Porque você disse que minha esperteza subiu à cabeça” podem, muito bem, definir o século XXI. Eu adoro a música, confesso, mas fico extremamente encolerizada quando escuto tal trecho, porque desde quando iniciar uma revolução a partir de uma cama é sinônimo de esperteza? Quando foi que militar à distância se tornou algo positivo e inteligente?
Contudo, apesar do meu desconforto, não descredibilizo Gallagher, pois ele foi o responsável por uma das melhores definições da militância do século XXI. A priori, não era possível que acontecessem revoluções da forma com que se foi definido, mas os avanços tecnológicos permitiram a sensação de que tudo é possível com um celular com acesso a internet. Nesse sentido, é simples a assimilação da quantidade enorme de petições e abaixo assinados online existentes, assim como movimentos que busquem levantar “tag’s” em redes sociais em sinal de reprovação ou crítica.
A sensação que tenho é que, ao invés de um local para a dispersão das críticas e problemas a serem enfrentados, o ciberespaço tornou-se o auge e o fim da militância. Atenção ao fato de que, quando escrevo “fim”, não afirmo que esta foi destruída, e sim que não existe uma continuação que a faça deixar o mundo online e parta para a realidade. Ou seja, a militância via web, que deveria servir de apoio à militância prática e real, atua, hoje, como a principal.
Compreendo, porém, que o contexto pandêmico atual não permite que muito seja feito na práxis, visto que é necessário o isolamento das pessoas. Todavia, anteriormente à pandemia, já ocorria tal mudança de espaços.
Ademais, compartilhar sobre os problemas da humanidade nas redes sociais deve ser redefinido, não enquanto militância, e sim como o ato de enfatizar e dispersar os acontecimentos, uma vez que ele, em si, não é capaz de solucionar as situações em questão, no meu ponto de vista.
Nesse mesmo sentido, petições e abaixo-assinados são ótimos para demonstrar insatisfação, mas não sanam o que insatisfaz aquele que assina. Por isso o ódio à frase da banda Oasis. Desde quando uma revolução de sofá revoluciona algo? É necessário que ocorra movimento, ação e ato. Infelizmente, uma postagem no Instagram não causa medo no Governo, por exemplo, e isso é o que faz com que a militância online perca força: ela não amedronta.
Não acho que seja necessária a violência, entretanto o medo é, infelizmente, o motor das revoluções. Medo da falência, da perda de poder e lucro. As elites possuem medo e “a ânsia de poder não é originada da força, mas da fraqueza”, como escreveu Erich Fromm.
E partindo para a prática, não é sobre violência, guerras e armas, e sim sobre agir, de fato, para alterar as incoerências do planeta. O ser humano não quer agir, ele quer que alguém aja, talvez por medo das responsabilidades, talvez por falta de vontade de realmente mudar a realidade em que está inserido. Infelizmente, esse cenário desencadeia um ciclo em que, à espera do outro, ninguém age, ninguém provoca medo e nada muda.
Eu entendo, mudar e revolucionar dói e exige muita força, mas é real. Uma postagem no Twitter é certamente mais simples e menos angustiante, visto que a repercussão, caso ocorra, será de, no máximo um comentário. Ninguém será expulso de casa, violentado por policiais nas ruas, preso, torturado, entre outras consequências daqueles que temem perder seus poderes. Mas a postagem continua a não produzir resultados.
Além disso, as militâncias nas redes sociais passaram a ser extremamente romantizadas e movidas a partir da emoção, que, embora necessária, não pode ser carro-chefe (inclusive, perdoem-me pelo péssimo exemplo). Onde está a razão por trás de todas essas petições, postagens e “hashtags”? É necessário compreender que uma petição não funciona totalmente por que não faz com que ninguém deixe de lucrar ou perca poder, e essas são as locomotivas do sistema atual.
Sei que as pessoas possuem boas intenções, mas nenhuma revolução se deu apenas com conforto. A realidade é que aquele que não é minoria, nunca vai entender que a luta já existe. A guerra aos pobres, a homofobia, a violência contra a mulher, o assédio, a gordofobia, a intolerância religiosa, o racismo, a xenofobia, entre outros já acontecem e essas pessoas, vítimas dessa catastrófica realidade, enfrentam a dor diariamente. Acreditar que uma petição assinada consegue solucionar qualquer uma dessas injustiças mencionadas é um imenso delírio, porque existem pessoas perdendo suas vidas, e, infelizmente, é necessário muito mais do que o apoio na internet. As minorias precisam ser defendidas com as nossas vidas, as vidas dos privilegiados, pois elas perdem as suas a cada segundo. E por mais metafórico que seja a primeira parte, existem pessoas morrendo, e, ainda pior, existem pessoas que não se importam; que não lutam.
Assim, é preciso que as revoluções de sofá, romantizadas e tímidas passem para a militância ativa e temerosa. Não são armas, mas palavras gritadas a maior locomotiva das revoluções. E, de preferência, o mais rápido possível. O mundo precisa de pessoas que ajam, façam e lutem pelos seus direitos e pelos direitos de todos, e não indivíduos que “admiram” a luta e curtem publicações no Instagram.
Assim, cito Sun Tzu e o quinto capítulo do livro “A Arte da Guerra”: “para gerir o caos é necessário organizar e comandar”. Não são apenas os poderosos que temem, mas aqueles que sofrem idem, principalmente pelas consequências de seus atos revolucionários, o que é totalmente compreensível. Se uma pessoa lida com um problema, e solucioná-lo possivelmente o agravaria, é esperado que ela prefira mantê-lo, e é por isso que a maioria deve se mover. Por fim, existe o medo de agir, e, por causa dele, o ser humano prefere atuar como lobo solitário. Tolos. Uma pessoa faz, de fato, presença, mas é necessário comando e organização, como alegou Sun Tzu. E existem milhares de organizações, ONGs e movimentos que atuam no mundo de forma real e prática, na luta antirracista, feminista, LGBTQIAP+, ambiental, e outras tantas. Entretanto, persevera, ainda, um único fator pendente nessa equação: são necessárias pessoas.
É necessário que você atue. Hoje e agora.
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