amor e(m) pandemia.

Mesmo com todas as imprevisibilidades da vida, acredito eu que era impossível que a humanidade soubesse o que estava por vir. Por muito tempo eu acreditei que este momento era algo que me havia pego de surpresa em diversas facetas e meios, até ler um trecho que sequer ouso modificar as palavras. Escrito em um contexto totalmente diferente do atual, Shin Kyung-sook presenteou o mundo com um parágrafo dialético: simples e confuso ao mesmo tempo.

“Quase nada neste mundo acontece de forma inesperada quando refletimos com atenção. Mesmo o que alguém poderia considerar incomum, se pensarmos bem, é apenas alguma coisa que tinha probabilidade de acontecer. Deparar-se repetidas vezes com acontecimentos incomuns significa pouca reflexão sobre eles”.

Essas palavras entraram em minha mente de uma forma inimaginável. Nem mesmo sei como descrever o impacto que me tiveram.

Realmente, o mundo pode parecer uma caixa de surpresas, mas ele é tão decifrável quanto um recém nascido cansado e faminto. Porém, talvez não pareça assim, uma vez que nós nos comportamos como mães e pais de primeira viagem. A criança chora, apenas desejando descansar, mas, como uma pessoa preocupada e atarefada, a mãe já dispõe as costas de sua mão na testa da criança, procurando resquícios de uma febre. Quando não o faz, já procura verificar se o bebê precisa ser limpado, se está com os seus brinquedos por perto, ou se alguém cometeu algum erro.

Talvez essa seja uma das possíveis explicações do porquê de nós não sermos capazes de ler o nosso próprio planeta. Até mesmo os mais claros aspectos e sintomas passam por despercebidos, e nós voltamos a nos comportar como mães e pais de primeira viagem.

Entretanto, deixando de lado a metáfora, este é o momento em que me questiono: a pandemia é algo que poderíamos prever? Ou esta se encaixa nas exceções descritas pela autora Shin? Mas aí está o meu erro. A pandemia não é o aprendizado, não é o que deveríamos prever. A pandemia é apenas o meio com que o ensinamento se dará.

Se precisássemos fazer uma síntese do que é mais marcante neste período, estariam em destaque a quantidade de pessoas que estão falecendo e a distância necessária que precisamos criar uns com os outros para preservar a vida de ambos. Quando analisado mais proximamente, é visível, ainda, que tanto as mortes quanto o isolamento transmitem a mesma linha de raciocínio.

Contudo, o que isso quer dizer? Qual o ensinamento devemos retirar de tantas famílias desoladas, mortes e um momento tão difícil como este? Com a irresponsabilidade governamental, a falta de empatia e respeito, as filosofias anti-vacinas e mais tantos outros absurdos? O que devemos aprender com isso e porque sinto que não aprendemos nada até agora, mesmo que já tenham se passados meses desde o início da pandemia? A única coisa que sei é que, para compreender algo, é necessário ir até a sua raiz.

O que a morte significa para o ser humano? Filósofos, pintores e músicos já se cansaram de explorar o desconhecido que é a morte. Talvez, uma das únicas coisas que realmente são imprevisíveis, é o desencarnar da alma.

Eu costumava observar como a morte parece ser mais impactante àqueles que estão rodeando o espírito que está a desencarnar, do que o próprio espírito. A dor, a tristeza. A confusão entre o amor e o apego material. O sentimento de vazio. O que então, teria a morte para nos ensinar nesse momento da humanidade?

Todas as vezes que pensava no momento em meu avô falecer, pensava em como seria difícil chegar na sala onde ele sempre se senta e me deparar com um vazio. Pensava em como seria doloroso não poder abraçá-lo e dizer “Bom dia, vovô Hélio!”. Como seria não poder mais sentar ao seu lado, levar alguma fruta até ele… essas eram coisas que me preocupavam há anos atrás.

Uma rotina sem alguém é, de fato, doloroso, mas porque sentiria a falta do seu toque, e não da pessoa que meu avô é, nessa situação hipotética (que sei que acontecerá em algum momento)? Por que não sentiria falta das suas sábias palavras? Por que não sentiria falta do som de sua voz recitando belos poemas que amava e apreciava?

Acredito que seja porque o amor que nos foi ensinado é um amor material. Fomos ensinados a amar encostando, abraçando e presenteando. Um amor físico. Tolice a minha, que acreditei que o amor, o maior sentimento e mais belo entre todos os existentes, é algo que pode ser reduzido ao mundo físico.

Talvez essa seja uma das possíveis lições. Reconsiderar o que é o amor. Criar um novo significado para o amor, afastando-o de crenças que nos levam a associar a matéria ao afeto? Faria sentido, uma vez que estamos todos isolados.

Mas então, como ressignificar o amor? O que é amar alguém? Essas são perguntas que nunca serão respondidas. Nunca. O amor é algo inexplicável e muito maior que todos nós.

Entretanto, acredito que os ensinamentos vão muito além. Todo esse período pandêmico proporcionou uma atenção maior às pessoas, quando olhamos com calma. Criados para compreender o amor como algo material, um abraço ou apenas a companhia era o suficiente em um aniversário, mesmo que o toque não fosse o contato mais repleto de emoções e sentimentos. Apenas estar para comemorar ao lado já era o suficiente.

Diferentemente disso, a realidade de hoje é que temos tudo, menos a possibilidade de estarmos uns aos lados dos outros. Talvez só estar presente fisicamente nunca tenha sido o suficiente. Tudo o que temos são palavras, vídeos, fotos e ligações. Conforme o isolamento cresceu, mais honestidade foi se percebendo nas palavras dos outros. Mais emoção, coração e sentimento. Ao menos, foi o que ocorreu comigo.

E, compreendendo isso, faz total sentido o fato de todos sermos mães de primeira viagem. É sobre amor. E quem melhor para falar sobre amor senão uma mãe?

O mundo não é indecifrável, nós é que não sabemos lê-lo, e acredito que nunca seremos capazes de o fazer. O mundo é imenso, e nós somos apenas moléculas. Somos como sementes, tentando compreender a grandeza de uma árvore centenária. Entender o mundo exige uma grandeza que, honestamente, é de outro mundo.

Então deveríamos apenas aceitar que nunca conseguiremos perceber o nosso próprio planeta? Nunca. Para que a semente compreenda a grandeza e os mistérios da árvore centenária, é necessário que ela cresça. Cresça com o maior dos ensinamentos: o amor.

Que então, nós possamos abrir nossas mentes para o que quer que seja o amor.

Maria Clara Lima Abrão

4 comentários em “amor e(m) pandemia.

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